O QUE HÁ DE ERRADO COM O "ENCONTRO COM DEUS".

Participei pela primeira vez do “encontro com Deus” (retiro espiritual) em agosto do ano 2000. A partir de então participei ativamente de vários encontros trabalhando, orando e ministrando para as pessoas que participavam pela primeira vez (encontrista). Logo de imediato pude perceber algumas falhas teológicas e outras de organização. Porem, não tive condições de fazer alguma coisa, pois o sistema era fechado, não permitindo que opiniões fossem dadas. Naquela época eu era apenas o professor da escola dominical e líder do grupo de louvor.

Com o passar do tempo me tornei pastor. Cansado de enviar os irmãos de nossa igreja para os encontros de outros pastores, passei a liderar nossos próprios encontros. Finalmente pude fazer algumas mudanças que sempre achei necessária, mas encontrei dificuldades, pois a “visão” é muito fechada.

Minha esposa e eu formamos uma equipe e realizamos vários encontros. Levamos um total de centenas de pessoas para esse retiro. No entanto, deixando de lado o que nos foi imposto no pacote (manual do encontro) e fazendo uma releitura totalmente imparcial de tudo, Cheguei à conclusão que o “encontro com Deus” não precisava apenas de algumas melhorias, ele precisava de uma completa reforma.

Quero destacar pra você os pontos críticos que me fizeram parar de organizar encontros com Deus do modo como a turma faz por aí.

1.       Segredo. Quando fui ao encontro pela primeira vez nos falaram que deveríamos guardar segredo de tudo que acontecia ali. A intenção com isso era atrair as pessoas pela curiosidade a participar. Temos um problema aqui com essa regra, pois o evangelho são “boas novas”, uma grande noticia de salvação. As coisas de Deus não podem ser encobertas. As coisas de Deus precisam ser feitas com transparência e honestidade, e essa estória de atrair os outros pela curiosidade não parece muito honesto e nem muito menos transparente. Nunca pedi que ninguém guardasse segredo de coisa alguma que acontecia em nossos encontros.

2.       Voto de silencio. Desnecessário e contraditório. Desnecessário primeiramente porque ninguém fica em silencio coisa nenhuma. Em segundo lugar porque é imposto e não voluntariamente. Contraditório porque vai na contra mão da comunhão que deve haver entre os cristãos. Um dos pilares da igreja no livro de Atos era a comunhão dos irmãos. E não existe comunhão sem dialogo, sem comunicação, sem poder conversar. Além de tudo, por que apenas as pobres almas dos encontristas tem que ficar em silencio, enquanto os demais falam muito e falam até o que não devem? Como as pessoas poderão fazer novos amigos se não poderem conversar? Sem mencionar que impor o silêncio a alguém é algo torturante para a maioria das pessoas.

3.       Musica repetitiva. Isso é uma técnica usada para criar uma espécie de anestesia psicológica. Essa técnica funciona com mais eficiência quando as pessoas estão em silencio sem poder conversar para expressar seus sentimentos e emoções. Muitos organizadores de encontros não tem consciência desse dano causado nos encontristas e nem mesmo a maioria dos encontristas conseguem perceber. À medida que fui percebendo isso mandei que parassem de deixar uma única musica repetindo várias vezes.

4.       Excesso de atividades. Eu considero uma crueldade o que alguns pastores andam fazendo com as pessoas em alguns “encontros”. Gente que trabalha duro, paga o retiro e tem que penar como um coitado. São palestras em excesso e quase todas muito cansativas. As pessoas vão dormir tarde da noite, acordam cedo e ainda são chamadas de príncipes e princesas. Que contradição terrível!

Sem falar dos que vão para trabalhar. Alguns voltam pra casa tão exaustos, cansados que nem aguentam ir para o trabalho na segunda-feira. Já vi muita covardia cometida contra essa boa gente bem intencionada em ajudar.

A primeira coisa que Jane e eu fizemos quando passamos a liderar os encontros foi humanizar o tratamento dado à equipe de trabalho e reduzir o numero de palestras para não ser tão cansativo para os encontristas e nem para a equipe de apoio.

5.        Ênfase no pecado e não na graça. Do começo quase até o final do encontro fala-se exaustivamente no pecado – sem falar da lista de pecado que alguns pastores incentivam as pessoas a carregar com elas o tempo inteiro. Em contrapartida, fala-se muitíssimo pouco no amor e na graça de Deus. A exceção é praticamente em apenas duas palestras: “cura interior e indo a cruz”. Toda essa ênfase que é dada ao pecado (ou ao não pecado), tem a tendência na melhor das hipóteses de deixar as pessoas legalistas e hipócritas – o que é um péssimo negocio. E na pior das hipóteses, alguns chegam a ficar neuróticos por alguns dias ou semanas. Não se espante, já vi pessoas ficarem completamente surtadas.

6.       Palestras cansativas e repetitivas. A maioria das palestras do encontro são extensas e bem cansativas, falando quase que o tempo inteiro em maldições e pecados. Melhorei o manual de palestras do encontro o quanto pude. Mas o que ele precisa mesmo é ser reformado completamente. O foco precisa ser mudado do legalismo para a graça de Deus.

7.       Gente bebendo vinagre enganado. Será que isso é algo honesto?

8.        Cruz pegando fogo e caminho em chamas. Meus amados, sejamos sinceros em admitir que isso é no mínimo uma coisa muito bizarra.

9.       Encenação de demónios. Já vi pessoas ficarem assombradas com essa encenação. Não tenho nada contra o uso da arte pela igreja, pelo contrário, tanto admiro quanto incentivo o seu uso. Mas sejamos razoáveis, o exagero para nada se aproveita.

10.   Encenação do morto. Já testemunhei tanta maluquice que você não tem ideia: já vi policial usando sua ferramenta de trabalho para dar tiro pra cima; patrulha da PM querendo entrar no sitio para saber o que esta acontecendo; gente quase enfartando de susto; encontreiro empunhando arma de fogo ilegalmente; enfim, é muita doideira.

11.   Bizarrices. O encontro tem sido para muitas pessoas a oportunidade de ouro para o exibicionismo. É gente ministrando de capa preta, gente que pinta o rosto e pasmem, gente que põe até um facão ao lado da Bíblia na hora de ministrar. Qual é a visão que uma pessoa dessas tem de Jesus? Será que toda essa bizarrice ajuda as pessoas a entender o evangelho, ou confunde ainda mais?

 Apesar de tudo isso que mostrei acima quero deixar bem claro que ainda continuo fazendo encontro. Porém, sem nenhum desses elementos. As coisas de Deus são simples, Jesus é simples e o evangelho é simples e completo. Portanto, o evangelho não carece de forma alguma de nenhum adereço, nenhuma maquiagem e nenhuma mascara. A única coisa que a nossa tentativa de tornar Jesus mais atrativo faz, é descaracterizar o evangelho. Não podemos concordar compactuando com esse espirito. Precisamos fazer uma releitura de tudo que fazemos à luz de Jesus. Foi exatamente isso que fiz. Cheguei a todas essas conclusões após analisar tudo à luz do evangelho da graça de Jesus. Percebi que fazemos muita coisa por fazer, ou fazemos simplesmente porque alguém fez e “deu certo”, ou fazemos porque vemos uma porção de gente fazendo e não querem ficar pra trás. Essas são motivações fúteis e banais. Nossa motivação em tudo que fazemos deve ser atrair a glória a Deus. E tudo que fazemos em nome de Jesus deve estar harmonizado com os evangelhos e as cartas do Novo Testamento. Chega de legalismo, chega de barganhas com Deus, chega de retrocedermos aos velhos rudimentos da lei.

É bem provável que esse artigo deixará muitos líderes insatisfeitos comigo. Outros ficarão até mesmo irados. Acredito, no entanto, que mais tarde alguns desses líderes me agradecerão por abrir os seus olhos. Por outro lado estou certo que esse artigo vai encorajar muitos pastores a rever seu modo de fazer encontro.

Receba o meu carinho,

Vila Velha-Es, 8 de setembro de 2011.

Ismael.